Setembro Amarelo: um convite ao cuidado coletivo. Afinal, somos parte de um todo.

O Setembro Amarelo chegou. 

Falar sobre ele é falar de vida, de dignidade e de humanidade. Esse mês nos lembra, todos os anos, da urgência de quebrar silêncios e criar espaços de cuidado. A urgência de validar as mais diversas histórias, contextos e subjetividades. É uma convocação. Um chamado à responsabilidade coletiva para olhar com seriedade para um fenômeno complexo, que vai muito além de diagnósticos e da patologização do sujeito, tão presentes no contexto atual: o autoextermínio.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de 720 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, motivadas por diferentes fatores que atravessam dimensões sociais, culturais, psicológicas e ambientais. É importante destacar que o suicídio não é exclusivo de países de alta renda, mas um fenômeno global. Em 2021, mais de 73% dos casos ocorreram em países de baixa e média renda.

É estimado que a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida no mundo, o que é um número assustador. Não falamos aqui apenas de estatísticas, mas histórias, sonhos, famílias, vivências, amizades, risadas, afetos e alegrias interrompidas por um conjunto de fatores que talvez poderiam ser prevenidos.

É comum associar o suicídio diretamente à depressão, inclusive, é o mais aborado no mês de Setembro. Porém, gostaria de fazer uma breve “nota de rodapé” em relação a isso.

De fato, a depressão é um fator de risco importante, e, infelizmente, o Brasil segue liderando o ranking de quantidade de casos na América Latina. No entanto, reduzir o suicídio a esse único aspecto é limitar o debate e obscurecer outras realidades também urgentes e pouquíssimo verdadeiramente escutadas. O autoextermínio também pode ser fruto de condições sociais adversas, como a falta de comida na mesa, o desemprego, endividamento, a ausência de oportunidades, a exclusão escolar, a precariedade habitacional, a discriminação, violência, luto, isolamento e a ausência de vínculos afetivos sólidos. A prevenção, portanto, não pode se restringir ao tratamento clínico individual. Ela exige políticas públicas bem desenvolvidas, ambientes de trabalho humanizados, laços comunitários fortalecidos e um olhar atento aos determinantes sociais da saúde mental.

Nesse sentido, a filosofia contemporânea tem muito a nos ensinar. Byung-Chul Han, ao refletir em sua obra “Sociedade do Cansaço”, descreve um cenário no qual a violência já não se apresenta apenas como opressão externa, mas se infiltra nas exigências incessantes de produtividade. Nas palavras do autor, ele diz: “Doenças neuronais como a depressão (…) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade. Assim, eles escapam a qualquer técnica imunológica, que tem a função de afastar a negatividade daquilo que é estranho. (…) O desaparecimento da alteridade significa que vivemos numa época pobre de negatividades. É bem verdade que os adoecimentos neuronais do século XXI seguem, por seu turno, sua dialética, não a dialética da negatividade, mas a da positividade. São estados patológicos devidos a um exagero de positividade”. Segundo ele, vivemos em uma época marcada pelo excesso de positividade e pela autoexploração, em que o lazer deixou de ser legítimo e passou a ser visto como sinônimo de preguiça, desinteresse e malandragem. O ser humano tornou-se o seu maior “carrasco”, por assim dizer. Aquele que mais o cobra e não há descanso, seja ele mental ou físico. Tem de se estar produzindo até nos momentos de descanso, e, quem não o faz, está “vagabundeando”. Essa lógica transforma o descanso em culpa, a pausa em fracasso, e empurra indivíduos a um ciclo exaustivo de desempenho contínuo. O resultado é uma imensa devastação silenciosa do corpo e da mente, um esgotamento que, não raramente, abre espaço para a desesperança e ideações suicidas por tamanha angústia. 

Afinal, quem eu sou quando não estou produzindo?

Na prática, o fato é que ninguém sofre sozinho. O sofrimento psíquico é relacional. A perspectiva Sistêmica nos lembra que sintomas não são fenômenos isolados, mas expressões que ganham sentido dentro de um sistema, seja ele familiar, comunitário ou organizacional. Inclusive, no contexto organizacional, significa que um colaborador que apresenta sinais de sofrimento carrega consigo, muitas vezes, a marca de contextos mais amplos, como a cultura do trabalho, as regras implícitas de convivência, as invisibilidades sentidas, as pressões sociais e a qualidade das relações. 

A falta de sentido. 

Compreender essa rede de significados é mais do que essencial para que o cuidado seja realizado de forma ética, eficaz e atenta.

Reconhecer sinais de alerta, como isolamento repentino, fala frequente sobre desesperança, queda abrupta de desempenho, irritabilidade, culpa intensa, interesse atípico por meios letais, faltas recorrentes, falta de preocupação com autocuidado e segurança ou mudanças bruscas de comportamento, pode, literalmente, salvar vidas. E ao contrário do que muitos acreditam, perguntar diretamente se alguém tem pensado em acabar com a própria vida não aumenta o risco. Ao contrário, abre espaço para que essa pessoa se sinta ouvida e possa buscar ajuda. 

Colocar em palavras abre uma possibilidade do sujeito se ouvir e organizar seus pensamentos, de acordo, inclusive, com a Psicanálise. De acordo com Macedo e Falcão, Freud coloca a fala em um outro lugar, que vai para muito além da intenção consciente de comunicar algo: ao falar, o sujeito comunica muito mais do que aquilo a que inicialmente se propôs.

Falar ajuda. E muito. 

Muitas vezes, mais do que podemos imaginar.

É importante também relembrar que discursos como “Levanta dessa cama! Vamos sair, anda logo!” podem ser extremamente dolorosos e difíceis para quem está em tal situação. Não apenas mentalmente, mas fisicamente dolorosos. O corpo e a mente estão conectados. Se um está adoecido, automaticamente o outro também está. Pensem comigo: uma pessoa que não está conseguindo tomar um banho vai se sentir bem para sair ? 

O corpo fala. O tempo todo.

Lembrem-se: muitas vezes, a pessoa não deseja, de fato, o autoextermínio, a morte em si, mas sim acabar com tamanha dor. 

Ela deseja apenas ser ouvida. 

Estar presente para ela já faz uma enorme diferença. 

Esteja presente. Ouça aquela dor e, apenas, esteja ali.

A prevenção realmente assertiva também diz de um fortalecimento de uma rede de apoio contínua. Por isso, o investimento em políticas de saúde mental que não se restrinjam a ações pontuais em setembro, mas que se consolidem em práticas permanentes é imprescindível. No contexto organizacional, significa formar lideranças capazes de acolher e encaminhar situações de crise, garantir condições de trabalho justas, combater assédio, abusos e discriminação, legitimar o direito ao descanso, flexibilizar rotinas diante de vulnerabilidades sociais, ter empatia, compreendendo que a vida humana é repleta de imprevistos, e, caso haja a possibilidade, assegurar acesso rápido a serviços psicológicos de qualidade. É nesse contexto que a empresa deixa de ser apenas um espaço de produção e passa a ser também um espaço de vida, onde o cuidado coletivo se materializa no cotidiano. É importante frisar que, na sociedade atual, convive-se mais no local de trabalho do que na própria casa e, quando há um espaço para um verdadeiro cuidado e atenção neste ambiente, proporciona-se a aquele colaborador a produção de sentido. A pessoa deixa de sentir-se um “apêndice da máquina”, como nos traz Marx, e passa a sentir-se pertencente, sendo parte de algo maior, proporcionando uma perspectiva diferente e mais saudável sobre o trabalho.

Falar de suicídio, sem dúvida, é também falar de escolhas políticas, sociais e culturais. É falar de como enxergamos o lazer, de como tratamos a vulnerabilidade, de como entendemos o valor do afeto, do cuidado, da atenção, da escuta, do trabalho e da solidariedade. É um convite a transformar ambientes em lugares onde o desempenho não seja sinônimo de exploração, mas de afeto, realização compartilhada, comunidade, rede de apoio e comunicação.

Além disso, é fundamental lembrar que existem caminhos de ajuda quando o risco se mostra aparente: No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito, 24 horas por dia, pelo telefone de número 188 ou pelo chat disponível (de segunda à sexta até às 1h00 da manhã) no cvv.org.br. Em situações de emergência, o SAMU pode ser acionado pelo número 192. Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o CERSAM (em Belo Horizonte), e a rede pública de saúde mental também estão disponíveis em todo o território nacional, inclusive nas próprias UBS.

É preciso sempre reiterar que o Setembro Amarelo não é apenas um mês de campanha, para usar a famosa “fitinha amarela” e dizer “você vai vencer, fique firme!”.  É um exercício de consciência e de responsabilidade que deve atravessar o ano inteiro. É um lembrete de que somos parte de uma causa que pode ajudar pessoas a se reerguer e a decidirem dar uma nova chance à vida. 

Somos parte de algo maior, de um todo. 

De uma comunidade. 

Prevenir o suicídio significa abrir espaço para o diálogo, legitimar o descanso, garantir oportunidades, compreender cada contexto, fortalecer vínculos e construir coletivamente uma cultura de cuidado.

É lembrar, todos os dias, que cada vida importa, cada pessoa importa, e, atrás de cada rosto, há uma história que merece ser vista com os olhos ungidos de valor para a aquele sujeito. Cada gesto de acolhimento pode ser decisivo para mudar a perspectiva de alguém.

Novamente, repito, esteja presente. Politicamente, afetivamente, culturalmente, socialmente. 

Esteja presente. Não apenas no Setembro Amarelo, mas em todos os outros dias e meses do ano. 

Esteja presente.

Porque, afinal, as pessoas precisam de pessoas.

Referências Bibliográficas:

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

MACEDO, Mônica Medeiros Kother; FALCÃO, Carolina Neumann de Barros. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta. Psychê, São Paulo, v. 9, n. 15, p. 65-76, jan./jun. 2005.

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV). Disponível em: https://cvv.org.br/. Acesso em: 8 set. 2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Suicide. Fact sheets. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide. Acesso em: 8 set. 2025.

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